"Os gestos interiores de apartar-se de tudo e de entregar-se a tudo, que tão contraditórios parecem ao serem traduzidos para a linguagem de palavras e conceitos, constituem uma complementaridade como aquela do yin e yang, que se alimentam reciprocamente."
Claudio Naranjo
Dentro da percepção dos aspectos complementares entre Apolo e Dionísio, está o jogo de integração entre as polaridades, uma verdadeira dança entre opostos de si mesmo que se retroalimentam. Entender essa necessidade de coexistência entre o apolíneo e o dionisíaco é entender a possibilidade de se integrar partes polares e, aparentemente opostas de si, observando a dialética entre todos os fenômenos que constituem a nossa natureza interna e a natureza da vida. Aceitar o par de opostos como partes de uma mesma peça é se conectar com um espaço de presença e inteireza central, onde o caminho de crescimento torna-se fértil e verdadeiramente possível. Nessa direção, a chave para incluir e integrar as polaridades internas está no chamado “ponto zero”, que é um conceito de Friedlander e que está na base da Gestalt Terapia, de Fritz Perls. O “ponto-zero" é um estado de neutralidade dos opostos, um caminho para o nada, para o centro. Ao mesmo tempo em que esse nada pode ser considerado, num primeiro momento, um vazio estéril, em que ainda não se encontrou algo de essencial e nem se pode acreditar em aspectos limitados da personalidade e do autoconceito em que antes se acreditava, a persistência em não preenchê-lo, pode levar ao encontro com uma consciência de si mais profunda e verdadeira.
De modo que, ao abrir espaço para englobar em nós a contradição, a ambiguidade e as diferentes vozes que atuam internamente, somos levados a suprimir nossas mais profundas evitações e atravessar a fantasia de vazio ou de morte.
Claudio Naranjo ressalta que o aspecto apolíneo só pode ser verdadeiramente vivido, sem ser distorcido, quando já se conhece algo do aspecto dionisíaco, pois do contrário, a energia de controle e lucidez, típica de Apolo, pode ser entendida e vivida de forma superficial. Nesse sentido, para se entender o controle é necessário ter experimentado o descontrole, para buscar a sobriedade é necessário conhecer a embriaguez, para aprender é necessário se arriscar, errar e até mesmo, algumas vezes, se machucar. No processo de desenvolvimento há uma necessidade de se viver uma liberdade criativa, de experimentação, de impulsos livres, para que se possa organizar essa experiência e ir direcionando-a para um caminho de maturidade e base.
O que você precisa negar para se afirmar? O que você exclui por medo de se perder de você? Existe algo reprimido internamente que você precisa se esforçar para ignorar e se permitir seguir? De que tipo de fiscalização interna e constante você sofre?
Perguntas como essas podem ajudar a abrir novos espaços internos de investigação, para além das aparentes verdades e receitas que pouco tem trazido sentido no viver e vitalidade.
O caminho para a liberdade não é um aperfeiçoamento sem fim do seu ser, mas sim a abertura de um espaço interno onde seja possível olhar, sentir, perceber, viver e integrar aquilo que, querendo ou não, sentimos e somos de verdade. A liberdade só se faz presente quando a culpa e o medo podem ser sentidos, vividos, compreendidos e trabalhados, abrindo espaço para que possamos experimentar nossas contradições humanas.
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