A vida é uma infinita composição entre polaridades. Essa composição pode ser fluida como uma dança, em que um passo ativa a energia para o passo seguinte. Ou pode ser truncada e violenta como uma guerra sangrenta, em que o objetivo passa a ser simplesmente exterminar o lado oposto para “vencer”. A dança pede estado de presença, escuta, concentração, respiração, sensibilidade, disponibilidade e uma boa dose de criatividade, seja para inventar os próprios passos, seja para dar o seu ritmo aos passos de uma coreografia já criada. Já a guerra pede força bruta, estratégias de defesa e ataque renovadas continuamente, uma boa dose de medo travestido de raiva, treinamento repetitivo e punitivo e a ativação constante da sensação de escassez, de que não há espaço no mundo para todos.
A escolha entre dançar e guerrear é muito mais inconsciente do que consciente. Ela resulta de como os princípios masculinos e femininos estão atuando dentro de uma pessoa, das crenças herdadas, das narrativas criadas para dar conta da existência, das experiências vivenciadas, da história de vida e, principalmente, de como gravamos e integramos pai e mãe dentro de nós. De tudo que tenho estudado, da Psicologia Tradicional à Leitura da Aura, Constelação Familiar, Espiritualidade, Tantra, Astrologia e as mais variadas vertentes de trabalho de Autoconhecimento, venho constatando que aquilo que vivo é reflexo da minha história de vida e da forma como trabalho sobre ela, da disposição em aproveitar as dificuldades para conhecer e liberar pontos em mim que ficaram sem espaço, sem olhar, sem cuidado, sem compreensão ou atualização.
Atualizo os meus aplicativos do celular, mas, por vezes, julgo desnecessário atualizar meus programas internos.
Sem atualização e trabalho interior, a vida pode até, com sorte, ir dando certo em alguns aspectos, mas a sensação de falta de conexão e de ausência real de si fica à espreita, esperando que a crise assole alguma área da vida para mostrar às caras.
Até é possível seguir “manuais” do bem viver, se comprometer com algum projeto de vida, seja profissional, familiar, religioso. Pode-se aprender as leis do mundo, do universo, da espiritualidade - é possível aprender tudo de fora para dentro. Mas sem trabalho interior, sem um conhecimento mais profundo da sua história, das suas emoções, dos seus desejos, da sua sexualidade, das suas dores e potencialidades mais verdadeiras, a roda gira, o que um dia foi satisfatório perde seu prazo de validade e seguimos perdidos como um náufrago que vê seu navio - que acreditava ser terra firme - afundar.
Claudio Naranjo, meu Maestro de caminho, diz em um dos seus vídeos que o propósito que antes se encontrava nas religiões, hoje pode ser mais claramente encontrado no processo de crescimento pessoal. É verdade que existem algumas “receitas” que parecem universais, suas propostas podem ser interessantes, podem fazer sentido e serem comprovadamente eficazes para alguns. Mas realizá-las verdadeiramente, muitas vezes não é real ou possível de acordo com quem somos e com a história que nos compõe. Somos feitos do mesmo tecido, mas temos configurações únicas e formas próprias de encontrar a conexão com esse tecido. Podemos ouvir, podemos estudar, podemos conhecer sobre a vida, mas sem conhecer profundamente a nós mesmos, o processo de evolução, fatalmente, se estagna.
Onde estou, de onde vim e para onde cresço. Há algo de universal nesse percurso, mas a jornada é individual e própria, a forma de caminhar é única e autoral. Venho de um princípio masculino e de outro feminino. Carrego o espermatozoide do meu pai e o óvulo de minha mãe e, junto com isso, carrego não só os seus DNAs, mas também suas histórias, suas heranças, suas dores, suas realizações, suas frustrações, suas experiências. Não sou refém desse material que vêm deles, mas ele me constitui, ele vibra em mim, ele me compõe, me ensina algo, pode me ajudar a compreender e a dar um rumo para minha trajetória. A imagem de meu pai, a imagem de minha mãe e a imagem dos dois juntos enquanto casal dentro de mim, guarda muitas chaves da minha trajetória. Aceitar isso é aceitar a vida. Conhecer isso é conhecer a vida. É acessar o Mistério é encontrar as setas que trazem sentido para a existência. Nem sempre é fácil, nem sempre é confortável, nem sempre o caminho é claro. Mas ele está aí.
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