Sempre me considerei e de certa forma ainda me considero uma buscadora. Só que nos últimos anos, depois de desfazer alguns enganos e ilusões que cultivei sem perceber ao longo do caminho, essa minha busca foi redirecionada para dentro, para o simples, para aprender a estar em mim por inteiro.
Vem me interessando cada vez menos o desvendamento dos mistérios inalcançáveis do mundo de fora e as ambições de evolução e desenvolvimento espiritual, onde as ilusões facilmente nos espreitam e se apropriam de nós.
Como já falei em outros textos, apesar da minha condição social de privilégio e de nunca ter ficado desatendida material e socialmente, as dores da vida psíquica e emocional que vieram do meu contexto familiar sempre me acertaram em cheio e a sensação de desamparo se fez lancinante desde a primeira infância até o início da vida adulta quando perdi meu pai.
Devo minha busca a isso: a necessidade desesperada de encontrar sentido, amparo e sabedoria verdadeira para lidar com a dor da existência. Não há nada de muito romântico nisso. Foi a necessidade mesmo de sentir um chão embaixo dos meus pés piscianos que me fez desde bem nova buscar a terapia, o autoconhecimento e caminhos ligados a espiritualidade e à dimensão mais ampla da existência.
No entanto, durante muito tempo a minha busca foi também a busca por tentar apagar a parte difícil e desequilibrada da minha história. Foi a busca por tentar encontrar um caminho de “salvação”, com garantias de que estaria do “lado certo” e, portanto, “protegida”, que seria a boa aluna da escola da vida, fazendo o meu melhor e esperando a segurança e a garantia de quem eu aprendia a chamar de Deus.
Assim, por um período de tempo, essa busca foi para fora, perguntar, estudar, seguir regras de conduta, buscar conhecimento, mas ainda de fora para dentro. A busca por seguir uma cartilha, por perseguir ideiais e me adequar. Em alguns momentos esse movimento até me trouxe segurança e paz. Só que não durava muito tempo porque o preço era sempre deixar de lado um olhar mais aprofundado para dentro de mim, silenciando um olhar mais questionador das estruturas, para seguir o roteiro, fosse ele material ou espiritual, que me levaria a realização e “evolução “.
E enquanto eu crescia dentro de alguns parâmetros externos eu me afastava da intimidade comigo, da minha autenticidade e da minha potência verdadeira de vida. Quando ganhava a segurança que “buscava” percebia que o preço dela era alto e que aquele chão estava baseado muito mais em dependências de estruturas externas do que em autonomia interna.
Então, busquei em religiões o substituto para parte do meu desamparo de pai e mãe, em dogmas e cartilhas do bem viver alguma garantia de futuro luminoso que nunca chegava e na terapia a confirmação e orientação que eu não ousava oferecer a mim mesma.
Todo o percurso foi necessário e válido e mesmo em meio a enganos e ilusões me ensinou sobre amparo e crescimento.
Mas foi somente quando me abri para viver desilusões, para aceitar a minha própria história como ela era, para olhar para dentro de mim com honestidade e coragem, que pude ganhar autenticidade e força de verdade para me responsabilizar pela minha jornada.
Entendi que, para mim, trocar promessas de salvação pela construção de um chão interno que me sustenta quando o que é impermanente passa é algo que me conecta infinitamente mais com o Grande Mistério a quem deixei de chamar de Deus para honrar e ter no meu coração como aquilo que para mim Ele é de verdade: um profundo e milagroso Mistério que nutre e está ali quando temos a coragem de ter olhos para ver e coração aberto para sentir.
Foto: Yulli Nakamura
Texto: Mariana Rattes
Comments