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Foto do escritorMariana Rattes

Quando a narrativa infantil, pede, antes de mais nada, compreensão

Sempre me lembro do choque interno que experimentei quando, já adulta, voltei à casa onde foi o jardim de infância que frequentei quando pequena. O espaço ainda era muito vivo na minha memória e eu achava que me lembrava dele com perfeição. Que surpresa perceber que, além dele ser de um tamanho infinitamente menor do que o que estava registrado em mim, tinham vários detalhes que eu tinha me esquecido completamente.


Quando cheguei lá, fiquei muito tocada com essa diferença e uma ficha caiu sobre o processo de formação da personalidade e seus mecanismos: me dei conta, naquele “aqui-e-agora”, que a consciência infantil que carregamos internamente é muito ambígua. Por um lado, ela se lembra com exatidão daquilo que foi marcante ou impactante num nível integral e não só racional. Por outro, a perspectiva da criança parece grudar nessa lógica infantil, de modo que viramos adultos, mas seguimos levando-a em consideração como se fosse um fato comprovado e não uma perspectiva, uma narrativa necessária à sobrevivência. Em outras palavras, crescemos em tamanho, mas por não revisitarmos os espaços internos infantis, sentimos e agimos baseados na sua lógica impressa e antiga, muitas vezes, sem nem nos darmos conta disso.


A partir dessa experiência, confirmei dentro de mim a necessidade de revisitar muitos lugares internos: narrativas, emoções, fatos e sensações da minha história. Porém, quando, com essa consciência, voltei- me para o trabalho interior, percebi que é mesmo muito difícil atualizar essas narrativas. É como se uma parte nossa tivesse muito apreço por elas, apego também e, talvez, em algum nível, até um sentimento de agradecimento. Sim, elas nos foram úteis, elas nos trouxeram até aqui, nos ajudaram a dar conta da fragilidade da vida e a consciência infantil sabe melhor isso do que ninguém.


Percebi que para conseguir algum avanço e transformação de fato, é necessário também, reconhecer internamente a força e o valor das estratégias que nos fizeram sobreviver, ainda que tenham se tornado padrões de comportamentos automatizados. Parece que quando miramos assertivamente no desejo pela "correção" de determinado padrão, é como se agredíssemos essa parte delicada e infantil que, queiramos ou não, nos habita. É como se ignorássemos a sua força de atuação em nós e não conseguíssemos dialogar com ela, compreender seu ponto de vista, que é exatamente o ponto de vista que nos rege no inconsciente. Ou seja, percebemos racionalmente que uma lógica nos atrapalha, mas por falta de conexão, profundidade, empatia, paciência ou até mesmo, apoio, nos reprimimos em relação a ela, sem compreendê-la profundamente e nem ao menos respeitá-la, tornando difícil integrá-la ao nosso Todo Maior.


Sim, somos muito complexos, especialmente diante da necessidade de fugir da possibilidade de acessar a memória da dor. Por isso, o caminho de conhecer a si próprio, é um caminho árduo, que nos atira da nossa zona de conforto a todo instante.


A possibilidade de viver o trabalho de autoconhecimento como a metáfora de voltar à casa do meu Jardim de Infância me agrada. Posso fazer o passeio, guiando a minha criança e mostrando para ela que, aquele morro enorme que era assustador, não passa de um pequeno monte que, visto de outra perspectiva, ganha muitas outras possibilidades para além da de sair correndo para pegar distância dele. É fácil assim? Nem tanto. Há uma travessia por fantasmas antigos para se chegar aí. Mas, com certeza, é bem menos ameaçador do que parecia aos olhos dela antes de eu ter coragem para empreender essa revisita.




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